*Imagem: Alex dos Santos, “A Violência contra mulher”, 2018, acrílica sobre tela, 70 x 100 cm
Entre agosto e dezembro de 2018, tem lugar no Sesc Piracicaba a 14ª Bienal Naïfs do Brasil. A mostra, que já completou mais de 30 anos de existência, ganha protagonismo no cenário artístico brasileiro na medida em que se torna lugar estratégico de expressão da arte de matriz popular, ainda à margem do circuito hegemônico da arte contemporânea. Nessa edição, a curadoria, atenta à diversa realidade do país, constrói um olhar inclusivo dessas práticas artísticas, vivas em todo o território nacional. Focados na construção de caminhos e possibilidades, e não apenas na inscrição de um lastro temático, os curadores propuseram que o título dessa edição fosse Daquilo que escapa.
Realizado no interior do estado, em uma das unidades mais antigas do Sesc São Paulo, o evento, hoje bienal, teve sua origem em 1986, integrado a um projeto maior na época, chamado Cenas da Cultura Caipira. A primeira edição, sob o nome de Mostra Nacional de Arte Ingênua e Primitiva, colocou em evidência o tema arte naïf — seus conceitos, sua história e seus desdobramentos —, permitindo assim a construção de uma plataforma de debate público e legitimidade dessa produção. Em 1992, a mostra tornou-se um evento de caráter bienal, ganhando corpo com o passar do tempo. Desde então, em suas mais diversas realizações, a exposição e suas atividades programáticas intuem uma condição de tensionamento, conferida pelos artistas que reclamam um lugar perante a construção social elitista da arte.
A 14ª Bienal conta com uma comissão curadora formada por Ricardo Resende, atual curador do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio de Janeiro, e da Fundação Marcos Amaro, em Itu (SP); Armando Queiroz, pesquisador e artista paraense; e Juliana Okuda Campaneli, pesquisadora e assistente técnica da Gerência de Artes Visuais e Tecnologia do Sesc São Paulo. Construída por um edital de chamada aberta, a organização dessa edição recebeu 1164 trabalhos, inscritos por 583 artistas. Desse universo, foram selecionadas 155 obras, compreendendo os mais variados suportes, técnicas e temas. Por um aporte estratégico da curadoria, a exposição conta também com obras de 14 artistas convidados, todos eles nucleares, por serem influentes e reconhecidos em suas comunidades, o que dá completude ao programa curatorial dessa edição.
Com um total de mais de 200 obras produzidas por 121 artistas — 107 selecionados e 14 convidados —, advindos de 21 estados brasileiros, os curadores propuseram uma exposição que traz em suas diretrizes iniciais uma ação concreta de aproximação do universo desses artistas, realizando visitas às suas casas e ambientes de trabalho, permitindo assim um conhecimento mais aprofundado de seus contextos e cotidianos. Essa construção coletiva foi ferramenta fundamental para a definição da mostra.
A curadoria optou pela elaboração de um formato expositivo mais aberto e, por vezes, escapável, mas sublinhando uma diversidade de temas e motivações. Num amplo espectro de intenções dos artistas, mencionam-se a visão crítica ao social, o engajamento e a resistência de naturezas políticas, o caráter transgressor e insubordinado, a diversidade de relações com o sagrado e o religioso, as aproximações afetivas com a fauna e a flora, com a realidade imperiosa e o mundo dos devaneios entrecruzados, além das mais variadas motivações subjetivas.
De maneira geral, abrir espaço para as construções simbólicas tidas ainda como outras, e deixar com que se manifestem com os mesmos aparatos de uma estrutura ainda elitista e eurocêntrica, talvez seja o maior trunfo democrático dessa ação cultural fundada pelo Sesc. Como bem denota Danilo Santos de Miranda, diretor da instituição, a exposição é prova cabal de que o Brasil é um “país heterogêneo, repleto de contradições, com intensos contrastes sociais, buscando a afirmação de suas raízes e a valorização das distintas vozes, cores e manifestações culturais”. É, portanto, a esse país, parcialmente invisível, que a exposição procura dar luz e voz.